sábado, 3 de maio de 2014

A ONDA E O TEMPO



Muitos dias se passaram
Muitos dias passarão
À noite segue-se o dia
E assim os dias se vão
(Vinícius de Moraes)

A jovem caminha pela praia sentindo nos pés a lambida fria da onda. Olhar perdido no horizonte, ela procura em vão pelo amor de outrora. Afasta-se um pouco da orla e, espraiando a canga colorida na areia clara, senta-se numa posição de yoga a contemplar o nada.

Ela se equilibra na linha do tempo como o surfista sobre a prancha.



O dia amanhecera lindo. Os primeiros raios de sol cingiam a praia deserta àquela hora da manhã.  Tratava-se daquele preciso momento em que uns ainda não tinham levantado para iniciar o dia, e outros recém chegavam às casas para encerrar a noite. Eles deveriam fazer parte do segundo grupo, porém, decidiram emendar a noite no dia. Bêbados de contentamento, correram de mãos dadas pelas pequenas dunas de areia, fizeram juras de amor e trocaram beijos apaixonados. Aquele dia marcara para sempre sua vida.



O entardecer na praia também é lindo, ela pensa. Uma brisa suave acaricia seu corpo seminu e, imediatamente, a jovem estremece. Avista ao longe uma prancha erguer-se na ponta de uma onda. E, sobre a prancha, o rapaz moreno de braços abertos, como se fosse um pássaro gigante alçando vôo. Os olhos dela marejam e assumem um brilho diferente.



Conheceram-se na praia dois verões antes. Desde então foram vistos sempre juntos. Ele nas ondas, ela na areia. O gosto pela natureza, o prazer de curtir o mar e o sol foi o que mais os aproximou. Não eram da noite, eram do dia. Mas, como todos os jovens, participavam de festas com amigos. Não eram do álcool, eram do refrigerante, mas nas festas até bebiam um pouco. Amavam-se e tinham sonhos.

Naquela madrugada fatal tinham bebido. Depois das brincadeiras dos apaixonados, ela jogara seu corpo cansado e sonolento na areia macia. Ao seu lado, ele tentava fazer com que se levantasse. Vamos curar esta ressaca no mar, argumentava. Mas ela preferiu a areia. Ele, então, levantou-se e correu na direção do seu destino.



Há longos anos ela arrasta sua canga na mesma areia, esperando que o mar devolva o que lhe tirou. Afinal, sabe que a onda que lambe seus pés hoje pode ser a mesma que, antes, engoliu seu amor.

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