Fomos convidados a
passar o Natal na casa da minha irmã, interior do Estado. Nossa filha, que
trabalhava no comércio, atrasou bastante a partida. Se tudo corresse bem, ainda
chegaríamos a tempo de cear e abrir os presentes – antes da meia-noite. Mas não
correu tudo bem. No trecho mais deserto da estrada, onde só havia lavouras de
arroz, o carro estragou. Algo ocorrera com a ventilação do motor, pois
esquentava demais, e foi preciso parar para não fundir. Desolados, meu marido e
meu filho fuçavam no motor, mal iluminado por uma pequena lanterna, tentando,
em vão, consertar nosso Natal. Apesar da lua cheia, a escuridão se punha contra
nós. Os poucos veículos que passaram nos ignoraram completamente. Nenhum dos
nossos celulares dava sinal naqueles campos.
E agora, José?
A
festa acabou,
a luz
apagou,
o povo
sumiu,
a
noite esfriou,
e
agora, José?
Depois das frustradas tentativas de
consertar o carro ou obter ajuda, constatamos que teríamos que ficar por ali
mesmo. Ocupamo-nos, então, do Natal. Abrimos o porta-malas e tiramos para fora
quase tudo o que continha. Comecei a selecionar o que poderia ser útil para a nossa
peculiar comemoração. Estendi no chão duas toalhas de banho, onde dispus aquilo
que tínhamos: três panetones e dois pacotes de castanhas do Pará, que eu levava
para a noite feliz; várias garrafas de espumantes e vinhos, para presentear os
homens da família; e um gostoso bolo de nozes, minha especialidade em todos os
natais. Abri o lindo pacote que continha o presépio artesanal, que levava para
minha mãe – pedi perdão a ela, mentalmente – e o montei, peça por peça,
lentamente, sobre o lado direito da nossa mesa improvisada.
Não foi o pior nem o melhor Natal
de nossas vidas. Foi diferente e emocionante. Ceamos e bebemos muito vinho, o
que nos fez relaxar e dissipar um pouco do medo que a estrada deserta nos causava.
A lua estava linda, enorme. Sob sua aura relembramos muitos outros natais,
especialmente aqueles repletos de crianças, quando sempre aparecia um tio gordo
vestido de Papai Noel, carregando um saco enorme, onde nunca cabiam todos os
presentes. Os filhos nos divertiram, relembrando traquinagens da infância.
Brindamos, já meio tontos, saudando o passado e desejando Feliz Natal uns aos
outros.
Num determinado momento, meu marido
sacou do talão de cheques e, ajustando os óculos para enxergar melhor,
preencheu três folhas. Como de costume, entregou-os para nós, explicando que
não sabia comprar presentes. Eu havia bordado para minha filha uma linda toalha
de mesa, já que pretendia casar logo. Para o nosso meninão, entreguei um par de
óculos, da grife que ele gostava. Pedro agradeceu e pediu desculpas, não podia
dar mais que um abraço, pois não tivera tempo de comprar presente. Rimos muito,
porque já conhecíamos bem essa falta de tempo
dele. Marta me retribuiu com uma delicada blusa da malharia onde trabalhava.
Por fim, tirei do porta-malas aquela caixa comprida que eles, tão curiosos, me
apoquentaram vários dias tentando descobrir o que continha. Entreguei orgulhosa ao meu marido e disse:
abre, é teu. Vinha, há tempos, juntando dinheiro para realizar esta fantasia
dele - olhar o mundo através da lente de um telescópio. E, de alguma forma, os
anjos conspiraram a meu favor, com aquele Natal improvisado sob um céu todo
estrelado, dando ao meu presente uma importância ainda maior.
Quando o carro da polícia
rodoviária se aproximou, foi praticamente ignorado. Aquele resgate tardio já
nem interessava mais. Com os filhos adormecidos dentro do carro, namorávamos
ternamente sobre as toalhas de banho, embevecidos pelo romantismo da noite. O
telescópio, principal estrela da festa, apontava para a lua que, por sua vez,
cobria a todos com sua capa de cauda luminosa.