Tudo acontece no centro das grandes cidades.
Mas, de tudo, o que mais me choca não é o que vejo, e sim o que
não vejo.
Pessoas têm ataques epiléticos nas calçadas e o povo desvia para
não pisar em cima.
Senhoras têm seus pertences arrancados, enquanto homens
fortes e bem trajados fingem que não veem. Crianças pequenas e ranhentas
rastejam pelas sarjetas urinadas, ante a total indiferença dos passantes.
Jovens alucinados usam variados tipos de drogas sob os olhos complacentes da
sociedade e da lei. Objetos roubados ou obtidos de forma irregular são
oferecidos e adquiridos sem repressão alguma.
Todos estes fatos têm um elo forte: a indiferença do cidadão. Deixa pra lá, não adianta mesmo. Uns
esperam pelas atitudes dos outros, e termina que ninguém faz nada. Quando temos
muitas coisas para fazer ou diversos interesses ao mesmo tempo, há uma
tendência ao desânimo e à inércia. Entretanto, alguém tem que começar por
alguma parte, nem que seja mínima.
Quando eu ainda era uma adolescente, passei mal no centro da
cidade e fui confundida com uma drogada. As pessoas passavam por mim, olhavam
com desprezo e comentavam coisas que eu não podia entender. Fiquei, durante
algum tempo, apoiada em um automóvel, pensando que iria morrer ali sozinha,
embora o centro fervilhasse àquela hora da tarde. Por sorte não era tão grave;
pude me recompor e tomar um táxi para casa. Entretanto, aquela sensação de
desamparo me acompanhou pelo resto da vida – falta de solidariedade, indiferença.
Desde a minha adolescência até os dias de hoje multiplicaram-se as razões para
ninguém ajudar ninguém: violência e drogas, medo e pressa. Ainda assim, cada
vez que vejo alguém em situação de risco me pergunto o que fazer. Muitas vezes
também fico paralisada pelo medo ou indiferente pela pressa.
Mas, a grande lição de solidariedade recebi em família. Poucos
anos atrás, voltava para casa, depois de um cansativo dia de trabalho, com meu
marido e nosso filho, quando aconteceu um fato marcante em nossas vidas. Ele
dirigia por uma avenida de trânsito intenso. Num determinado ponto, todos os
carros sinalizavam e passavam para a pista da direita. Quando chegamos nesse
ponto, deparamos com um homem estendido no chão. Chocado, meu marido parou o
carro e ligou o pisca-alerta. Desceu e começou a acenar para os motoristas, desviando
o tráfego e pedindo ajuda para aquele coitado. Enquanto isto, de dentro do
carro, eu ligava para o número de emergência da polícia. Ninguém parou, apenas diminuíram
a velocidade por um instante. Uma viatura da polícia civil passou e teve a
mesma atitude dos outros motoristas. Meu marido obrigou-os a parar; eles
alegaram que não era assunto deles. Só desceram e começaram a organizar o
trânsito depois de serem acusados de negligência.
Enfim, chegou a brigada militar e assumiu o caso. O homem não
tinha sido atropelado, como pensávamos. Teve um mal súbito e caiu quando
atravessava a rua. Poderia ter morrido atropelado de fato, não houvesse no
local um cidadão disposto a chegar mais tarde em casa e tentar socorrê-lo. Aquele
homem que estava caído poderia ser o pai, o tio, o vizinho, o irmão, de
qualquer um de nós, ou de qualquer daqueles motoristas que não tiveram tempo a
perder.
Se tudo acontece no centro das grandes cidades, também gestos de
solidariedade poderiam ser vistos com mais frequência. Muitas vezes uma pequena
participação faz toda a diferença no resultado final.