Abrir velhos baús de documentos nos faz coçar o
nariz e, quem sabe, seja essa comichão o gatilho de tantas lembranças.
Lembranças que ora nos fazem sorrir, ora nos fazem chorar. Em geral as
lembranças da infância são as mais poderosas, pois nos reportam a um período de
suposta inocência e descomprometimento
com a realidade. Fotografias são pontos de partida para essas viagens no tempo.
A foto do primeiro
animalzinho de estimação, que nos lembra o quanto já fomos mais generosos e
afetivos. Aquela da reunião de família, onde aparecemos sorrindo junto aos
primos, tios, irmãos e avós, reaviva uma chama enfraquecida. Tempo de união e ajuda mútua. Uns acobertando
as artes dos outros. E o que dizer daquele porta-retratos na estante da sala,
com o qual convivemos durante anos: a noiva sorridente de branco, o noivo sério
em sua gravata de seda. E aquele enorme bolo de três andares, do qual não
comemos nenhum pedacinho. E, por fim, a fotografia da formatura. Encerramento
de um grande capítulo: o da irresponsabilidade. Festas, bebedeiras, amigos,
colegas, churrascos, tudo fica para trás. Quando tiramos a toga, assumimos
nosso lugar no mundo adulto.
Documentos escritos tem
a força das palavras e das datas. Certidão de nascimento que dá detalhes de um
passado pouco conhecido: foi declarante o avô, às dez horas do dia vinte e
quatro. Certificado de batismo, primeira comunhão - com vela e foto amareladas -
lembrança de que um dia tentaram me fazer Católica. Boletim da terceira série
do curso primário, atestando a minha antiguidade. Uma camisa autografada por
toda a turma da quarta série do ginásio, com nomes esquecidos pelo caminho.
Cartas recebidas de amores adolescentes, algumas beijadas, outras amassadas,
prova contundente da leviandade juvenil.
Tantos objetos,
guardados ao longo dos anos, que hoje não tem mais nenhum significado. Uma
bolacha de chope, uma moeda estrangeira, um brinco sem par. Outros, com
significação especial, que contam uma história importante, como a rosa vermelha
achatada dentro do livro de poesia. Ou a medalha de primeiro lugar em ginástica
olímpica, com a data meio apagada, mas não esquecida. Assim como jamais foi
esquecido o friozinho na barriga e o sabor dos aplausos. A primeira carteira
estudantil. A pequenina chave da caixinha de jóias, que ainda toca o tema do
filme Love Story. Uma fita cassete gravada pelas crianças da família, com
músicas de Natal – que relíquia.
O meu baú já inclui objetos
menos antigos, como lembrancinhas dos filhos. A primeira roupa, o sapatinho, e
o babeiro que eu mesma bordei. Os cartões e desenhos dedicados à mamãe. Os
bilhetes de amor do pai deles. Poesias. Carinho. As fotografias das férias em
família. Da casa nova. Dos aniversários e outras ocasiões especiais. Há também
certidões de todos os tipos: nascimento, casamento, óbito.
Abrir velhos baús de
documentos nos faz coçar o nariz e, quem sabe, seja essa comichão o gatilho de
tantas lembranças. Ou não. Talvez o único gatilho seja nossa própria emoção,
que está sempre a remexer nas lembranças, como se quisesse testar nossa
capacidade de gerenciar o grande baú da memória.
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