quarta-feira, 30 de maio de 2012

O GRANDE BAU


 Abrir velhos baús de documentos nos faz coçar o nariz e, quem sabe, seja essa comichão o gatilho de tantas lembranças. Lembranças que ora nos fazem sorrir, ora nos fazem chorar. Em geral as lembranças da infância são as mais poderosas, pois nos reportam a um período de suposta inocência e descomprometimento com a realidade. Fotografias são pontos de partida para essas viagens no tempo.
            A foto do primeiro animalzinho de estimação, que nos lembra o quanto já fomos mais generosos e afetivos. Aquela da reunião de família, onde aparecemos sorrindo junto aos primos, tios, irmãos e avós, reaviva uma chama enfraquecida.  Tempo de união e ajuda mútua. Uns acobertando as artes dos outros. E o que dizer daquele porta-retratos na estante da sala, com o qual convivemos durante anos: a noiva sorridente de branco, o noivo sério em sua gravata de seda. E aquele enorme bolo de três andares, do qual não comemos nenhum pedacinho. E, por fim, a fotografia da formatura. Encerramento de um grande capítulo: o da irresponsabilidade. Festas, bebedeiras, amigos, colegas, churrascos, tudo fica para trás. Quando tiramos a toga, assumimos nosso lugar no mundo adulto.
            Documentos escritos tem a força das palavras e das datas. Certidão de nascimento que dá detalhes de um passado pouco conhecido: foi declarante o avô, às dez horas do dia vinte e quatro. Certificado de batismo, primeira comunhão - com vela e foto amareladas - lembrança de que um dia tentaram me fazer Católica. Boletim da terceira série do curso primário, atestando a minha antiguidade. Uma camisa autografada por toda a turma da quarta série do ginásio, com nomes esquecidos pelo caminho. Cartas recebidas de amores adolescentes, algumas beijadas, outras amassadas, prova contundente da leviandade juvenil.
            Tantos objetos, guardados ao longo dos anos, que hoje não tem mais nenhum significado. Uma bolacha de chope, uma moeda estrangeira, um brinco sem par. Outros, com significação especial, que contam uma história importante, como a rosa vermelha achatada dentro do livro de poesia. Ou a medalha de primeiro lugar em ginástica olímpica, com a data meio apagada, mas não esquecida. Assim como jamais foi esquecido o friozinho na barriga e o sabor dos aplausos. A primeira carteira estudantil. A pequenina chave da caixinha de jóias, que ainda toca o tema do filme Love Story. Uma fita cassete gravada pelas crianças da família, com músicas de Natal – que relíquia.
            O meu baú já inclui objetos menos antigos, como lembrancinhas dos filhos. A primeira roupa, o sapatinho, e o babeiro que eu mesma bordei. Os cartões e desenhos dedicados à mamãe. Os bilhetes de amor do pai deles. Poesias. Carinho. As fotografias das férias em família. Da casa nova. Dos aniversários e outras ocasiões especiais. Há também certidões de todos os tipos: nascimento, casamento, óbito.
            Abrir velhos baús de documentos nos faz coçar o nariz e, quem sabe, seja essa comichão o gatilho de tantas lembranças. Ou não. Talvez o único gatilho seja nossa própria emoção, que está sempre a remexer nas lembranças, como se quisesse testar nossa capacidade de gerenciar o grande baú da memória.


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