O
menino foi concebido por descuido, e gerado por teimosia. O encontro –
desencontro – daquele casal foi um grande engodo, uma chacota. Ele detestava a
idéia de ter um filho com aquela desequilibrada. Mas a mulher levou a gravidez
até o fim. Como que para castigá-lo, pois logo ficou claro que o gene da
maternidade lhe era totalmente ausente ou defeituoso. João era inteligente,
tinha um emprego razoável, mas só queria farra. Gastava tudo com mulheres,
jogo, bebidas e drogas. Um bon vivant,
que jamais pensaria em ser pai. Maldizia a noite em que se deixou seduzir por
aquele sorriso óbvio. É chave de cadeia, disseram os amigos. Mesmo assim se
afundou na farta cabeleira dela. Gostava de viver perigosamente.
Levou a dita para morar com ele. Não
passava sem um cheiro de mulher mesmo. Já que carregava um filho dele, resolveu
dar uma chance ao azar. Sem emoção alguma. Nunca passou a mão na barriga dela.
Quanto mais a conheceu, mais teve certeza do desencontro de almas. Fazia
barraco todo o dia. Abusava do estado interessante. Fazia estranhas exigências.
Desejos. Náuseas. Mau humor. Esperteza. Quase levou o homem à loucura. E sexo,
que é bom, nada. Causava enjoo.
João, o desligado, gastador, bebum e
irresponsável, foi tomado de susto e pânico quando a criança nasceu. Deu-se
conta de que ela não cuidaria. Amamentar doía os peitos, limpar a bunda dava
ânsia de vômito, levantar de madrugada não conseguia. Se ela bebesse, fumasse,
ou cheirasse talvez fosse mais fácil. Um tratamento, quem sabe! Mas o caso dela
era mais grave. Era louca de cara. Fazer o quê?
Quando o menino chorava na
madrugada, quem embalava era o pai. Decidiu não beber mais à noite, pois
precisava ter sono leve. Após três internações do bebê, por causa de asma
brônquica, João parou de fumar. Passava horas observando de sua janela o
trabalho minucioso do pássaro que construía o ninho. Enquanto a criança
brincava, o pai aprendia. Cresceram juntos.
Nas reuniões da escolinha, lá estava o João na primeira fila. Criaram uma
parceria invejável. Brincavam na pracinha. Jogavam bola, andavam de bicicleta,
iam ao cinema, ao teatro de bonecos. Como o pássaro, ele também estava
construindo seu ninho. Sua felicidade agora só dependia do filho. Era como se,
no sorriso dele, o mundo todo lhe sorrisse.
Quando
a mulher foi embora, levando o que julgava ter valor naquela casa, eles nem
perceberam. Bastavam-se.
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