Tereza
anda sempre com os vidros do carro fechados. Para não ser aborrecida por
vendedores, larápios, pedintes, artistas e afins. Na última sexta-feira, porém, abaixou o vidro
para ver melhor a triste cena protagonizada por uma mulher de aparência miserável
e um menino franzino, uns cinco ou seis anos.
Como
em todas as manhãs, a criança percorria a fila de carros com vidros fumês bem
fechados. Em alguns, batia no vidro com a mãozinha suja. Apenas um motorista
abriu uma fresta no vidro para alcançar uma moeda pequena. Não chegou até o
carro dela. O sinal abriu antes. O garoto correu até uma mendiga que estava
jogada como uma ratazana de esgoto ao pé do viaduto. Entregou-lhe a única moeda
e recebeu um tapa na cara como agradecimento. Tereza acelerou lentamente,
emocionada, como se estivesse saindo de um transe. A criança descalça e
maltratada fez com que pensasse no conforto de sua casa, na farta mesa e na
quantidade de brinquedos que faziam a alegria de seus filhos.
Esta
e tantas outras cenas semelhantes faziam parte de suas manhãs de segundas às
sextas-feiras. Já deveria estar acostumada, e estava. Mas aquela era uma manhã
diferente. Estava mais vulnerável. Talvez fosse por causa da TPM. Talvez estivesse
se humanizando novamente. O tempo, a carestia, o medo, interesses próprios, a
corrida do ouro, tudo isto transforma as pessoas. Adormece planos e sonhos de
melhorar o mundo. Tereza percebe que foi se desumanizando aos poucos. Até
chegar ao extremo de achar natural que crianças de cinco ou seis anos andem perambulando
entre os carros, implorando por umas moedas, enquanto governantes e políticos
fazem conchavos sob a luz dos holofotes.
Seguiu
seu caminho. Mas, não era mais a mesma mulher; algo havia lhe tocado o coração
e a consciência.
Sábado,
em casa, repassou a cena na cabeça muitas vezes. Abriu gavetas, remexeu papeis,
até que encontrou seu diploma. Ali estava seu nome em letras douradas, Tereza
Lopes de Souza, logo abaixo, Bacharel em Assistência Social. Lembrou-se da
formatura e do juramento. Sentiu vergonha. Vergonha do alto cargo que ocupava
no Gabinete do Governador. Vergonha de ser testemunha de tantos desvios de
verbas. Vergonha de participar de tantas reuniões inúteis ou com pautas de
interesses escusos. E, por sentir vergonha, decidiu mudar. Deu novo rumo ao seu
trabalho, à sua família, à sua vida.
E
não importam, para o encerramento desta crônica, quais foram as transformações que
ocorreram na vida de Tereza, nem qual foi a sua contribuição para a melhoria do
abandono na infância. Importa que ela recuperou a capacidade de se solidarizar,
que é o que nos move na direção do outro, e de se indignar, o que nos leva a
agir.
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