quarta-feira, 30 de maio de 2012

FUGA


É tempo de mudar.
A vida moderna nos ameaça de todas as formas. Assaltos, sequestros, roubos e balas perdidas desfilam diariamente na nossa sala de estar. Olhos fixos na televisão, as crianças pensam que é mais um filme de ação. Segurança tem um alto preço emocional e financeiro. Cercados de grades, guaritas, alarmes, vidros fumê, vamos acreditando em dias melhores.
Sem mais opção, também decidi fugir para um condomínio, onde possa dividir meu medo, minha covardia e minha esperança. Deixo para trás um pedaço da minha história. Vou deixar a casa construída para criar nossos filhos e animais de estimação. Onde semeamos o tão sonhado jardim. Sinto-me como um rato, abandonando o navio antes que afunde. Estudei todas as possibilidades, como num jogo. Acuada, faço o movimento em direção ao que penso ser o melhor para minha família. Não tenho certezas, só esperanças. Não é fácil para ninguém, por que haveria de ser para mim?
Tenho que me desfazer de mais de dois terços dos meus móveis e objetos. Estes apertamentos modernos não são feitos para móveis antigos. Tão lindas as poltronas verde que o Jorge chamava de “Sinca Chambord”. Aquele espelho com mais de cem anos é muito pesado para as delicadas paredes de gesso acartonado. As fotos dos meninos, expostas escadaria abaixo, vão escorregar até o fundo de uma gaveta. Nem mesmo os quadros vou poder levar. Apartamentos pequenos têm as paredes tapadas de móveis sob medida para aproveitar bem qualquer cantinho. E, quando sobra algum espaço, não se colocam quadros, colocam-se espelhos, que ampliam o ambiente. Mas, dos originais não abro mão: Sérgio Fortes, Auris Abrantes, Kaliwa.
E o que será do nosso jardim e do nosso pomar? Quem estará por aqui quando as bergamoteiras florirem novamente? Antes de ir embora, preciso apanhar aquele mamão que está madurando. Ainda bem que deu tempo de colher todas as uvas. Os pingos-de-ouro que eu plantei no ano passado estão prontos para a poda artística. E a minha perfumada roseira amarela está cheia de botões, a me provocar, a me chamar na hora da partida.



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