É
tempo de mudar.
A vida moderna nos ameaça de todas as formas. Assaltos, sequestros,
roubos e balas perdidas desfilam diariamente na nossa sala de estar. Olhos
fixos na televisão, as crianças pensam que é mais um filme de ação. Segurança
tem um alto preço emocional e financeiro. Cercados de grades, guaritas,
alarmes, vidros fumê, vamos acreditando em dias melhores.
Sem mais opção, também decidi fugir para um condomínio, onde possa
dividir meu medo, minha covardia e minha esperança. Deixo para trás um pedaço
da minha história. Vou deixar a casa construída para criar nossos filhos e
animais de estimação. Onde semeamos o tão sonhado jardim. Sinto-me como um
rato, abandonando o navio antes que afunde. Estudei todas as possibilidades,
como num jogo. Acuada, faço o movimento em direção ao que penso ser o melhor
para minha família. Não tenho certezas, só esperanças. Não é fácil para
ninguém, por que haveria de ser para mim?
Tenho que me desfazer de mais de dois terços dos meus móveis e objetos.
Estes apertamentos modernos não são
feitos para móveis antigos. Tão lindas as poltronas verde que o Jorge chamava
de “Sinca Chambord”. Aquele espelho com mais de cem anos é muito pesado para as
delicadas paredes de gesso acartonado. As fotos dos meninos, expostas escadaria
abaixo, vão escorregar até o fundo de uma gaveta. Nem mesmo os quadros vou
poder levar. Apartamentos pequenos têm as paredes tapadas de móveis sob medida
para aproveitar bem qualquer cantinho. E, quando sobra algum espaço, não se
colocam quadros, colocam-se espelhos, que ampliam o ambiente. Mas, dos
originais não abro mão: Sérgio Fortes, Auris Abrantes, Kaliwa.
E o que será do nosso jardim e do nosso pomar? Quem estará por aqui
quando as bergamoteiras florirem novamente? Antes de ir embora, preciso apanhar
aquele mamão que está madurando. Ainda bem que deu tempo de colher todas as uvas.
Os pingos-de-ouro que eu plantei no ano passado estão prontos para a poda
artística. E a minha perfumada roseira amarela está cheia de botões, a me
provocar, a me chamar na hora da partida.
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