Os contrastes da cidade de Porto Alegre podem ser
observados em diversos aspectos. Em especial chama a atenção o clima instável,
capaz de variar dez graus em um dia. Também a geografia privilegiada se opõe ao
péssimo tratamento dado à natureza. Temos um rio escondido por detrás de um
muro e parques que precisam ser murados para garantir segurança, conforto e
lazer. É uma cidade que se pretende cosmopolita, mas ainda guarda ares de província.
Tem fama de machista e, no entanto, em recente pesquisa publicada em jornal de
grande circulação, os gaúchos foram apontados como os homens que mais colaboram
com os trabalhos domésticos. Vivi dentro de casa o contraste do machista casado
com mulher profissional e independente. Vi gaúcho velho cozinhar e limpar. E há
quem diga que, quando jovem, trocou fraldas e preparou muitas mamadeiras.
Fui criada num bairro típico de classe média, com
ruas muito arborizadas e próximo a um dos maiores parques da cidade. Numa época
em que as crianças iam para lá sozinhas, atravessando ruas e correndo perigos
que ainda não existiam. Passavam a tarde brincando, andando de bicicleta, sem
sustos. Neste mesmo bairro, os pequenos ficavam nas calçadas até nove da noite,
jogando amarelinha, brincando de pegador e esconde-esconde. Aqui, o maior contraste
está no tempo que passou e trouxe com ele a violência das grandes metrópoles.
As praças e parques não são mais frequentados por crianças desacompanhadas.
Dependendo do dia e da hora, nem mesmo por adultos em pares. Os tranquilos
bairros de nossa cidade transformaram-se em grandes condomínios, murados e com
guaritas armadas. Lá, sim, as crianças de hoje podem andar de bicicleta e
brincar de esconde-esconde.
Cresci sem conhecer o rio. Estudei na escola tudo
sobre o Guaíba e seus afluentes, mas tinha uma idéia vaga sobre sua
localização. Era como se pertencesse a outra cidade. Quando íamos ao centro,
minha mãe apontava para aquele paredão sem cor, indicando que por ali havia um
lindo rio. Também, quando viajávamos e cruzávamos a ponte, meu pai dizia: aqui
está o rio Guaíba, nosso patrimônio maior. Ficava claro para mim que aquele rio
estava fora dos meus limites geográficos. Quando, já adulta, decidi morar na
zona sul, finalmente senti que aquela imensidão de águas profundas de alguma
forma me pertencia. São duas cidades: a conturbada Porto Alegre do Norte, com
seus viadutos, aeroporto e intenso comércio, e a Porto Alegre do Sul, tranquilo
oásis de praias, clubes náuticos, calçadões e casas à beira do rio, que exibe
espetáculos maravilhosos de velas ao por do sol.
Entretanto, o maior contraste desta cidade talvez seja
o clássico encontro de Grêmio e Internacional. Amores, amores, futebol à parte.
Pais, irmãos, primos e amigos são parceiros até a hora do jogo, quando se
tornam inimigos, cada qual na sua trincheira, defendendo com ardor a camisa de
seu time. O Grenal é uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro, mas não
impede que gremistas e colorados se amem, se casem, sejam amigos, tomem cerveja
juntos e convivam em paz fora dos estádios. Assim foi na minha infância: pai
colorado e irmão gremista. Assim é no meu presente: filho colorado e filho
gremista.
Os contrastes da cidade se refletem nos bairros e
nos lares. A instabilidade do clima traz junto uma instabilidade emocional aos porto-alegrenses.
Tão doces e amorosos em determinadas situações e tão duros e irascíveis em
outras. O vento e a umidade do inverno na capital calejam seu povo no corpo e
na alma. Mas, a visão das águas mansas do rio suaviza suas dores e coloca à
flor da pele o lado lúdico e poético.
Nenhum comentário:
Postar um comentário