O apetite, para algumas
pessoas é um vício tão contumaz e prejudicial quanto outros mais em evidência.
Conheço pessoas que comem compulsivamente. Comem para compensar um vazio
existencial. Dá para perceber claramente a dependência psíquica e, em médio
prazo, física a que se submetem, pouco se diferenciando dos etilistas ou
tabagistas. Em muitos casos, este apetite é de poder, mais grave e de cura bem
mais difícil do que a fome de comida.
Em um curto período de
tempo, surgiram inúmeras associações para juntar pessoas com os mais variados
tipos de compulsão. São feitas reuniões semanais de ajuda mútua. A mais
conhecida é a AAA – para os alcoólicos. Até mesmo o apetite sexual está sob
suspeita: em excesso, requer tratamento. Outras associações reúnem,
anonimamente, mulheres que amam demais, fumantes e jogadores. Tenho a impressão
de que qualquer coisa insuspeita pode, de uma hora para outra, transformar-se
em vício e requerer tratamento. Por isso faço tudo com moderação. Temo que meu
vizinho do lado possa ser um psiquiatra “alienista”.
Mas, o que realmente me
preocupa é que sinto crescer dentro de mim uma compulsão maior, que me surgiu
em contrapartida à fome de poder. É a fome de justiça. Um apetite voraz, que me
faz arder o estômago quando vejo tantas chagas expostas - seres humanos vivendo
em situação de miséria e risco;
corrupção saltando aos olhos, em todos os níveis sociais; a guerrilha
urbana e rural, que tomou conta de determinadas regiões. Homens redimensionando
os conceitos de certo e errado.
Acho tudo isso inconcebível. Penso que seja a
hora de fundar uma nova associação, que dê apoio psíquico para esta compulsão
emergente, a da inconformidade. Vem aí a AIA – Associação dos Inconformados
Anônimos, da qual serei o primeiro membro. Vou abrir a reunião apresentando-me:
- Meu nome é Zulmara. Estou
aqui porque me sinto doente. Não consigo me conformar com o rumo que a
sociedade dos homens está tomando. Eu quero me curar. Faz três dias que não
leio jornais, não entro na internet e nem ligo a televisão. Não sei se o
caminho é esse, nem até quando vou conseguir.
Um dia de cada vez. Preciso de ajuda.
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