domingo, 13 de maio de 2012

O RATO



Ele chegou sorrateiro, logo ao anoitecer, faminto. O que mais me faz odiá-lo é a prepotência. Egoísta e agressivo, é totalmente indiferente ao nosso sofrimento e miséria. Desrespeitoso, sobe as escadas e roça aquele corpo nojento em quem quer que esteja em seu caminho. Acostumado a viver como um rato, escondendo-se em esgotos, pode carregar todas as doenças ou imundícies que cabem num ser humano. Ser humano? Não, verme. Ele não é da mesma espécie que meus filhos e eu. Pior do que seu aspecto, é a sujeira que ele carrega na alma, inchada de tantos crimes e contravenções.
Sempre foi assim: quando eu pensava estar livre, ele reaparecia. Tantas vezes veio só pra me bater e se servir de mim. Algumas vezes me fazendo mais um filho. Filhos que ele não viu nascer, nem crescer, pois logo estava de volta ao seu esgoto ou à sua cela. Mas agora vai ser diferente, eu juro. Leninha já está despertando a atenção dele. Se eu não fizer nada, logo vai pra cima dela também. Se ele abusar da menina, eu denuncio, nem que ele me mate. Droga! Preciso de coragem para denunciar antes. Será que adianta?
Bom se ele morresse. De morte matada. É uma idéia que tem me perseguido há meses. Eu não queria, não sou dessas. Tive pai, mãe, até um pouco de estudo, mas a miséria e a raiva mudam a gente. Se eu fizer mal feito vou presa e as crianças, sabe Deus onde vão parar. Ele podia despencar da escada – já vi isso num filme. Mas se ele não morrer, me mata. E as crianças ficam na mão dele. Se eu tivesse para onde fugir... Da última vez, quando me achou, me quebrou dois dentes. De brinde me embuchou dos gêmeos. Ricas crianças! Nem me dão trabalho, um cuida do outro. Quem me preocupa é Leninha. Tá crescendo. Eu vejo os olhos dele crescendo junto com os peitinhos dela. Se foi difícil fugir quando tinha só a menina, imagina agora com cinco. Não dá, não vou além do terminal do ônibus e ele me pega de novo. Melhor que eu tenho a fazer é continuar servindo ele. Bem servido pode ser que esqueça os seios de Leninha. E, quando Sara ficar mocinha, eu fujo, juro que fujo. Ou mato.


Este conto foi inscrito no 4º Concurso Literário Mário Quintana, promovido pelo Sintrajufe, tendo obtido o terceiro lugar. Todos os premiados - categorias Conto, Poesia e Crônica – fazem parte da antologia Antes do ponto final, lançada na 54ª Feira do Livro de Porto Alegre.Foi a primeira vez que tive um escrito publicado. Também a primeira vez que participei de um concurso literário. Momento de grande emoção!

                     

           


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