domingo, 13 de maio de 2012

INVERSÕES TÉRMICAS


Quando eu era criança, verão era quente e inverno era frio. Ao chegarem os primeiros ventos de outono, começávamos a guardar as roupas de verão e arejar as de inverno, efetuando uma troca nas prateleiras que durava meses. Até que as árvores recomeçassem a florir, denunciando que o frio rigoroso logo daria lugar a dias mais longos aquecidos pelo calor do sol da primavera. Tempo que ficou na lembrança. Com o dito aquecimento global, provocado pela devastação das florestas, poluição, e tudo o mais que o ser humano fez contra a natureza nas últimas décadas, as estações mergulharam numa profunda confusão: Inverno e Verão se abraçam escandalosamente; e Outono caminha de mãos dadas com a Primavera. Perderam os limites!
 Vejo a humanidade seguindo este mesmo curso: as estações da vida se misturam, do mesmo modo que as estações do ano. Em alguns casos, pelo mesmo motivo: a urgência. O mau uso da natureza do corpo e dos elementos criados pelo homem, com industrialização e tecnologia, trouxe-nos conseqüências nefastas. Os males da velhice chegam antes do tempo. Moléstias que antes só apareciam na idade madura, hoje se manifestam em meninos de dez anos, a exemplo da hipertensão e da elevação do colesterol. Doenças predadoras como o câncer, há algumas décadas diagnosticadas preferencialmente na maturidade, surgem cada vez mais cedo. Esses males precoces, que exigem longos e delicados tratamentos, baixam a qualidade de vida, representando o outono fora de época, o que corrompe a ordem natural das coisas.
Por outro lado, os avanços da medicina devolvem juventude e dão novas perspectivas a pessoas antes condenadas. Modernos tratamentos são usados na cura do corpo e da alma, como a evolução dos transplantes, a perfeição das próteses e as recentes descobertas na área da genética. Sem desprezar os medicamentos para impotência e depressão, bem como a reposição hormonal. Ainda, os tratamentos de beleza representam ganhos neste confronto. Para aqueles que, em pleno outono da vida, recebem os ares das estações mais mornas, a perda de limites é a conquista da liberdade. Com licença para sonhar e realizar, vivendo com mais intensidade e prazer.
E, assim, deparamo-nos diariamente com pessoas de todas as idades freqüentando ambientes antes exclusivos de uns e outros. Jovens na fisioterapia e velhos na academia. Retorno aos bancos escolares depois de nascidos os netos. Seres de épocas cronologicamente diferentes se amando e fazendo valer seu direito à felicidade. Juntos, enfrentando as nuanças do tempo, sem medo do inverno, que em algum momento virá.

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