Quando eu era criança, verão era quente e inverno era frio.
Ao chegarem os primeiros ventos de outono, começávamos a guardar as roupas de
verão e arejar as de inverno, efetuando uma troca nas prateleiras que durava
meses. Até que as árvores recomeçassem a florir, denunciando que o frio
rigoroso logo daria lugar a dias mais longos aquecidos pelo calor do sol da primavera.
Tempo que ficou na lembrança. Com o dito aquecimento global, provocado pela devastação
das florestas, poluição, e tudo o mais que o ser humano fez contra a natureza
nas últimas décadas, as estações mergulharam numa profunda confusão: Inverno e Verão
se abraçam escandalosamente; e Outono caminha de mãos dadas com a Primavera.
Perderam os limites!
Vejo a humanidade seguindo este mesmo curso: as estações da
vida se misturam, do mesmo modo que as estações do ano. Em alguns casos, pelo
mesmo motivo: a urgência. O mau uso da natureza do corpo e dos elementos
criados pelo homem, com industrialização e tecnologia, trouxe-nos conseqüências
nefastas. Os males da velhice chegam antes do tempo. Moléstias que antes só apareciam
na idade madura, hoje se manifestam em meninos de dez anos, a exemplo da
hipertensão e da elevação do colesterol. Doenças predadoras como o câncer, há
algumas décadas diagnosticadas preferencialmente na maturidade, surgem cada vez
mais cedo. Esses males precoces, que exigem longos e delicados tratamentos,
baixam a qualidade de vida, representando o outono fora de época, o que
corrompe a ordem natural das coisas.
Por outro lado, os avanços da medicina devolvem juventude e
dão novas perspectivas a pessoas antes condenadas. Modernos tratamentos são
usados na cura do corpo e da alma, como a evolução dos transplantes, a
perfeição das próteses e as recentes descobertas na área da genética. Sem
desprezar os medicamentos para impotência e depressão, bem como a reposição
hormonal. Ainda, os tratamentos de beleza representam ganhos neste confronto. Para
aqueles que, em pleno outono da vida, recebem os ares das estações mais mornas,
a perda de limites é a conquista da liberdade. Com licença para sonhar e
realizar, vivendo com mais intensidade e prazer.
E, assim, deparamo-nos diariamente com pessoas de todas as
idades freqüentando ambientes antes exclusivos de uns e outros. Jovens na
fisioterapia e velhos na academia. Retorno aos bancos escolares depois de
nascidos os netos. Seres de épocas cronologicamente diferentes se amando e
fazendo valer seu direito à felicidade. Juntos, enfrentando as nuanças do
tempo, sem medo do inverno, que em algum momento virá.
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